Ponto de Vista da Lisle
Entramos em pânico no momento em que descobrimos que Julia está dando à luz. É muito antes da hora. Realmente, muito antes.
Estou convencida de que algo está acontecendo. Há apenas quatro horas, Julia estava bem, deve estar acontecendo para seus filhos nascerem tão prematuros. Assim que chego ao hospital da alcateia, encontro Raquel. Ele está com a cabeça baixa e o rosto apoiado nas palmas das mãos, chorando, sentado em uma cadeira na entrada da sala de cirurgia. Como pode este homem tão insensível e controlador ficar neste estado? Ao vê-lo, percebo que talvez nossos companheiros sejam mais sensíveis do que parecem. Talvez devêssemos ter sido mais gentis com eles hoje e aceitar que, às vezes, eles são apenas burros. Não fazem isso por maldade, ficam idiotas pelo excesso de entusiasmo.

Corro imediatamente até ele.
"Raquel!" Grito e o seguro nos braços, mas logo ouço Mickey rosnar atrás de mim.
'Agora, não!' Resmungo através da ligação mental. 'Raquel precisa de nós!'
"Raquel, o que aconteceu?" Eu pergunto, assustada.
"É tudo culpa minha..." Raquel cai de joelhos, chorando mais.
"Raquel." Mickey o chama. "Não é culpa sua, todo mundo sabe o quanto você ama Julia."

"Mas a culpa é minha, Mickey!" Raquel resmunga. "Nós brigamos, e as coisas saíram do controle. No final, a Julia ficou magoada."
"Pelo amor da Deusa!" Eu digo em voz alta sem querer.
Atrás de nós, surgem Viviana e Rafael, assim como Alfa Lucas e Mécia. Todos estão em pânico.
Alfa Lucas pega Raquel nos braços e o encoraja, mas nada consegue acalmá-lo.

"Raquel." Mickey se acalma. "O que aconteceu?"
"Estávamos brigando, Mickey. Falamos o que não deveríamos, palavras feias. Julia me repreendeu, disse que estava sendo controlador demais e que a estava sufocando, que ela não consegue nem respirar por minha causa."
Ele realmente é muito controlador, mas faz isso sem perceber e sente muito amor por Julia. Raquel não ama ninguém em sua vida, com medo de perder seus entes queridos. Seus pais morreram quando ele tinha dez anos, em um ataque de lobos renegados; então ele foi criado pelo Alfa Lucas, como seu próprio filho. Ele é leal, tem uma alma boa e generosa. É um homem trabalhador que nunca desiste de ajudar se puder, mas é obcecado em controlar tudo. Isso é culpa do seu desejo de não perder aquilo que ama. Ele faz de tudo para controlar o que consegue.
Mas isso não pode ser aplicado à Julia também. Até agora, ela não é capaz de compreender de onde vem esses problemas de Raquel. Julia o ama e cedeu muito nessa relação, mas ela tem sangue de Alfa. Ela deveria ser a Alfa da maior alcateia da América Latina e pedir a uma mulher tão poderosa que abra mão do controle de sua própria vida só porque você tem medo de perdê-la é inadmissível.
"Nós brigamos, e eu disse a ela que o que aconteceu hoje nunca mais pode se repetir. Eu falei que vou estar ao lado dela o tempo todo e vou garantir que ela não se machuque."
"Raquel." Alfa Lucas suspira. "Você não pode fazer isso. Ela é sua companheira, não sua prisioneira."
"Eu sei, mas tenho muito medo de perdê-la." Raquel choraminga.
"Como Julia veio parar no hospital?" Pergunto e já começo a ficar assustada.
"Eu estava na escada enquanto brigávamos. A Julia desceu correndo, gritou que ia fazer as malas e ir embora, porque não aguenta mais o jeito que sou controlador... no momento em que ela se livrou de mim, ela perdeu o equilíbrio e caiu da escada…"
Pela Deusa da Lua!
"Se Julia ou as crianças se machucarem, não vou conseguir viver com essa culpa. É tudo culpa minha!" Raquel chora, caindo de joelhos.
"Foi um acidente, filho." Alfa Lucas afirma. "Ninguém culpa você por nada, e tenho certeza de que Julia também não. Estou convencido de que vai ficar tudo bem."
"Tinha tanto sangue." Raquel acrescenta, perdido na própria cabeça. "Não vai ficar tudo bem."
A porta da sala de cirurgia se abre, e o médico sai, então olha para Raquel com muita tristeza.
"Beta." O médico chama. "Sua companheira sofreu algum descolamento prematuro da placenta. Esta condição é muito grave. Neste momento, não conseguimos controlar o sangramento. Precisamos saber quem você prefere salvar se for necessário, sua esposa ou seus filhos? Devo avisar que é provável que a sua esposa não poderá ter outros filhos se sobreviver."
O rosto de Raquel fica pálido. Seu pior pesadelo acontece diante de seus olhos. Esse homem está enfrentando a chance de perder alguém de novo, mas, desta vez, não sei ao que ele pode se agarrar para sobreviver.
"Salve Julia." Raquel responde imediatamente. "Eu não posso perdê-la. Consigo viver sem ter filhos, mesmo que isso me magoa, mas não vivo sem Julia."
O médico entra na sala de cirurgia e, durante a hora seguinte, ficamos todos em silêncio. Nada que digamos vai ajudar ao Raquel. Só podemos esperar que os médicos façam um milagre, mas, quando pensamos que tudo vai ficar bem na sala de cirurgia, ouvimos o choro de um bebê. Raquel fica de pé e corre até a porta, porém não consegue chegar perto, pois imediatamente começa a gritar de dor e a chorar.
"Não consigo respirar!" Raquel diz, golpeando o próprio rosto com a dor.
"Pela Deusa da Lua!" Mécia grita e corre para segurá-lo, assim como Alfa Lucas. Olho para Mickey, então para Viviana e Rafael. Vejo o medo em seus olhares.
Não, ela não pode estar morta!
"Julia..." Murmuro, chocada, e começo a chorar. Raquel desmaia e não podemos fazer nada por ele. Então é isso que acontece quando seu companheiro predestinado morre. A dor é insuportável.
Eu estou chorando. Duas enfermeiras vêm nos ajudar com Raquel, mas quero saber como vamos fazê-lo sobreviver após essa tragédia.
A porta da sala de cirurgia se abre, e os médicos saem com dois bebês. São os bebês mais lindos que já vi. Eu me sento e os pego no colo enquanto os médicos tentam ajudar Raquel a se recuperar.
São 15 minutos de um pesadelo. É a única forma de descrever o que acontece nesses minutos. Raquel se recupera aos poucos e vê seus filhos em meu colo. Ele se aproxima e cai de joelhos, dilacerado pela dor.
"Eles são meninos." Eu digo, ainda chorando.
"Eles se parecem tanto com a Julia..." Ele começa a chorar de novo. "Eu… eu não posso viver sem ela… nem mesmo pelos meus filhos." Raquel afirma, chocando a todos.
No mesmo instante, a porta da sala de cirurgia se abre. O cirurgião olha em volta, tentando entender o que está acontecendo no corredor desde sua última conversa com Raquel.
"Beta." O médico diz. "Fiz tudo o que pude, mas eu a perdi por um momento."
"Por um momento?" Pergunto, chocada. Eu me levanto com os bebês nos braços. Raquel encara o médico.
"É, ela morreu na mesa de cirurgia, mas conseguimos trazê-la de volta por um milagre. Tudo deve ficar bem e não deve haver complicações além daquela que já falei. Você tem dois filhos lindos e saudáveis. Espero que eles sejam o bastante para você e sua esposa."
"Quando posso vê-la?" Raquel pergunta, como se não conseguisse acreditar no que ouve.
"Pode, em alguns minutos."
"Pela Deusa da Lua... Obrigado, obrigado!" Raquel agradece, olhando para o Céu e chorando.
Quando finalmente conseguimos entrar para ver Julia, ficamos com o coração partido. Raquel está deitado em uma cama comprida ao lado de Julia, com os filhos no peito e uma mão segurando a dela.
Ele parece exausto. Meu coração se parte por ele. Julia está acordada, olhando para ele com amor e pena ao mesmo tempo.
"Eu não sabia." Ela explica. "Ele nunca me contou o que havia acontecido com os pais dele. Eu não sabia o motivo pelo qual ele é tão controlador. Sinto que o aconteceu hoje é minha culpa. Se eu não tivesse sido tão impulsiva, não teria quase perdido a minha vida e a de meus filhos."
"Não é culpa de ninguém." Digo ao me aproximar dela enquanto Mickey vem até mim e me abraça. Hoje, estamos todos chateados e sendo impulsivos. Qualquer um de nós poderia estar no lugar deles. Inclusive Viviana e Rafael. Em um instante, as nossas vidas poderiam ter mudado radicalmente.
"Ele ama você, Julia. Cuide do coração dele, eu imploro. Ele esconde a alma mais sensível que já conheci por trás desse disfarce que o mundo vê." Mickey diz, com olhos suplicantes.
"Eu também o amo." Julia afirma. "E prometo que, a partir de hoje, vou cuidar sempre do coração dele."
Eu vejo eles se abraçarem. Raquel, Julia e seus lindos filhinhos. Um se chama Ralph, em homenagem ao pai de Raquel, e o outro é Mikael, em homenagem ao Mickey.