Capítulo 24
1538palavras
2023-08-02 03:18
Theodora
Robert foi atender a porta. Tive um mal pressentimento e por isso me apressei a colocar novamente as roupas e calçar os sapatos.
Permaneci no quarto, porém abri uma fresta para saber se estava tudo bem.

— Betina? — Robert gritou alto o suficiente para que eu ouvisse.
Coloquei a mão na boca para sufocar minha surpresa. Eu queria escancarar a porta para ouvir o que eles falavam, mas não podia.
Percebi pelo som do salto alto batendo no assoalho que ela entrou. A voz era animada e parecia ter um presente para Robert, embrulhado num papel elegante.
Alguns minutos se passaram antes que Robert abrisse a porta do quarto com calma e viesse ao meu encontro.
— É a Betina — ele sussurrou.
— Você disse que não eram tão íntimos, mas ela pode vir aqui sem ser anunciada. — Eu também sussurrava, no entanto havia uma carranca estampada no meu rosto — E agora? Fico aqui no quarto enquanto você dá uns amassos na sala com outra mulher?

— Mantenha a calma, Tessy. Vou dispensá-la o mais rápido que eu puder. — Colocou o embrulho aberto sobre o criado mudo — Fique aqui e não faça barulho.
Ele saiu e eu me sentei na cama. Fiquei um tempo encarando a parede, tentando entender o que eu deveria sentir. Então peguei o embrulho e o bisbilhotei. Vi uma camisa social de seda de excelente qualidade que certamente combinaria muito com Robert. Era o tipo de presente que eu não tinha condições de dar e mesmo que tivesse, não saberia escolher algo tão elegante. E o que ele faria com o presente? Ia usar?
Havia um cartão. Betina havia escrito com caneta rosa e o papel era perfumado, demonstrando imenso carinho.
"Você me perguntou sobre felicidade e respondi sobre meus sonhos. Na verdade, é difícil separar as duas coisas, pois seja lá em qual eu pense, você está."

Não pude evitar o soluço. Meu Deus, o que eu estava fazendo? Eu sou a vilã? Escondida no quarto de um homem comprometido como uma criminosa enquanto uma garota legal era enganada do outro lado da porta! Aquilo conseguia ser normal para mim? Era esse tipo de aventura que eu queria?
As risadas do casal na sala ressoaram até o quarto e me feriram como facadas. Eu saí da inércia e comecei a juntar silenciosamente as minhas coisas. Não havia dúvidas sobre meus sentimentos, eu realmente o amava, mas isso era suficiente? Amor era um tipo de licença para passar por cima de qualquer coisa?
Então percebi que a porta principal bateu e as conversas cessaram. Robert voltou e me encontrou sentada no mesmo lugar.
— Ela já foi, me desculpe por isso — ele começou a dizer, percebendo que eu não estava feliz.
— Olha Robert, eu achei que seria capaz de fazer isso, mas não sou.
Me levantei e ele me acompanhou com o olhar enquanto eu saia do quarto e andava até a cozinha em busca de um copo de água. A fome havia passado, contudo minha boca estava seca como o deserto do Saara. Robert também pegou um copo de água e ficamos cada qual de um lado do balcão da cozinha.
— Não imaginava que uma noite que começou tão bem fosse se desenrolar assim. — Ele continuou a falar — Eu fiquei tão surpreso quanto você pela visita da Betina.
— Ela é sua noiva e tem mais direito de estar aqui do que eu.
— Não fale isso. — Ele pegou na minha mão, que repousava sobre balcão — Eu não podia mandá-la embora sem mais nem menos.
— O que você sente pela sua noiva? — ousei perguntar, mesmo que a resposta pudesse doer.
— Pela Betina? Nada.
— Nada? Você demonstrou muita admiração quando falou dela, naquele dia na Festa do Cristian — retruquei. — E se a escolheu para ser sua noiva...
— Ela era a opção mais sensata. Eu decidi me casar, não tinha uma namorada ou algum interesse amoroso. E sim, eu tenho muito respeito e também simpatia por ela.
— E quanto aos sentimentos da Betina? Eu li o cartão, aquele do presente. Não parece que é um noivado de conveniência para ela — indaguei sem conseguir olhar para ele.
— Nossas famílias têm incentivado essa união desde de que Betina tinha uns quatorze anos, então não sei se o que ela sente por mim é amor de verdade ou se ela se acostumou com a ideia.
— Eu me senti muito mal, ali escondida no seu quarto. Me transformei em sua amante e vou prejudicar uma garota que até agora só tem me mostrado qualidades! — Fiz uma pausa para respirar e reprimir o choro. Se ela fosse uma mulher ruim, interesseira ou sei lá, talvez fosse mais fácil...
— Eu também não quero ficar assim e por isso tenho feito de tudo para finalizar as negociações com o Banco Rupert.
— Eu acho melhor não nos vermos mais... não até você realmente acertar sua vida.
— Você está terminando comigo, Tessy?
— Terminar o quê? Não somos namorados e nem amigos — eu concluí com os olhos marejados.
Eu queria que Robert dissesse que me amava, coisa que ainda não havia acontecido. Queria que ele mandasse para o espaço toda aquela embromação de contrato para assinar...mas ele apenas ficou em silêncio, concordando que não tinha nenhum compromisso entre nós.
As lágrimas vieram aos olhos mas não as deixei caírem. Segurei o choro. Então soltei minha mão da dele. Robert me encarou e uma sombra cobriu seu olhar.
— Não vou insistir para que fique comigo se isso não te faz feliz.
— Tudo o que eu mais quero é ficar com você, Rob. Quero acordar do seu lado sem medo de ser vista saindo do seu Flat. Quero poder conhecer seu escritório e fazer todas as coisas que um casal assumido pode fazer.
— Venha aqui. — Me cercou num abraço — Suas palavras me quebram ao meio. Não sei como farei sem você.
— Você mesmo disse que vai acabar logo… Se é verdade isso, não ficaremos muito tempo separados.
— Promete que vai esperar por mim, Theodora?
— Você promete que vai ser só meu, Robert?
— Eu prometo, minha querida Tessy — afirmou, segurando o meu rosto entre suas mãos grandes. — Estarei livre para você em breve.
— Então eu espero.
Nossos lábios se encontraram. Era um beijo com gosto de despedida, sem urgência, sem carícias...apenas um beijo repleto de saudade.
Eu saí. Não deixei que ele me levasse para casa pois isso só prolonga meu sofrimento. Robert pagou meu táxi,mas não desceu comigo até o saguão.
Segurei o choro e isso exigiu de mim um esforço inimaginável. Cerrei os punhos com tanta força que as unhas machucaram a palma da minha mão.
Quando o carro estacionou na frente de casa, percebi que as luzes já estavam apagadas, pois meus pais dormiam cedo. Entrei em silêncio e caminhei nas pontas dos pés até o quarto de Lisa. Era possível ver a claridade saindo por baixo da porta dela e eu supus que minha irmã ainda estava acordada.
Bati e entrei.
— Tessy? Você não ia dormir fora? — Ela se levantou da cama num salto, abandonando o livro e os fones de ouvido — E que cara é essa?
Eu a abracei e no instante seguinte desabei em lágrimas. Eu soluçava e não conseguia falar absolutamente nada. Lisa ficou preocupada.
— Foi Robert? Ele fez alguma coisa para você? Eu vou matá-lo! Não importa se ele vai ser meu chefe. Vou empurrá-lo...
— Calma, Lisa — eu pedi, sabendo que ela era realmente capaz de cumprir tudo o que havia dito. — Nós terminamos. Eu falei que só vou ficar com ele quando for um homem livre de verdade.
— Você falou isso? — Lisa sorriu. — Estou orgulhosa, não é porque ele é um cara cheio de grana, gostosão e com uma foda que te deixou viciada, que você tem que se submeter a tudo.
— Você não está ajudando...
— É sério. Você também é incrível, ele precisa se esforçar por você. Se ele te quiser, termine com a xaropona da Betina — Lisa disse, eu não pude deixar de rir. — E se ele continuar com a noiva dele, é porque estava brincando com você e não te merece.
— Só você para me puxar do fundo do poço. — Eu abracei — Que bom que você é a minha irmã.
— Sou sua guarda-costas também, ou esqueceu? — perguntei, relembrando o período escolar quando ela me protegia de todos.
— Obrigado, Lisa.
— Aliás, o Cristian me deu a vaga lá na CRS. Serei "Secretária Executiva da Diretoria Administrativa". Ah, espero que minha função seja mais do que servir café.
— Parabéns, Lisa. Você é a mais inteligente de nós.
— E agora vou ficar bem de olho nesse Sr. Robert. Hum, se ele estiver brincando com seu coração, vai ter que se ver comigo!
— Por favor, Lisa, não se meta em confusão em seu novo emprego por minha causa.
— Não se preocupe maninha, quando é que me viu ser imprudente?
Infelizmente, várias vezes.