Robert
O café da manhã que Dona Marta preparou era digno de um hotel de luxo. A maioria preferiu se sentar na grande mesa preparada no Salão principal, enquanto eu apenas me servia de um café puro e bem forte.
Próxima à escada que levava para o terraço estava Theodora, sozinha. Era evidente que algo a preocupava e eu senti vontade de ir conversar com ela, mas antes mesmo que eu me pusesse em sua direção, a mulher subiu as escadas.
Não deu dois minutos e vi o Senador Ferraz se dirigindo para o mesmo lugar. Meu sangue gelou, uma vez que o velho era conhecido por não ter a mínima noção de decoro e moral; incrível que um tipinho como aquele fazia parte do círculo de amigos do meu pai e não havia o menor sentido estar na festa de Cristian.
Depois do flagra que meu pai nos deu na noite anterior entendi que era melhor não me meter com Theodora, mas os minutos começaram a passar e confesso que um mal pressentimento começou a me dominar. Não era prudente que nenhuma mulher ficasse sozinha com o senador, ainda mais uma tão tentadora.
Bem, eu não podia deixá-la mercê do velho Ferraz e decidi que iria procurar por Theodora para saber se estava bem. Enquanto me dirigia para o terraço fui interpelado por minha mãe, que apareceu diante de mim como um cão de guarda.
- Aonde o senhor pensa que vai?
- Ao terraço, minha mãe. Com licen...
- Não dou licença não. - A voz dela soou ríspida, apesar de baixa. Ela voltou a sorrir e a olhar em volta, com medo de chamar a atenção para si. - Sei bem onde você está indo, Rob: atrás daquela mulher! Sorte que Betina não está aqui. Eu adoro aquela garota e não quero que você a faça infeliz.
- Essa conversa fica para outra hora, mãe. - Tentei me desvencilhar, ela porém agarrou-se ao meu braço.
- Você não me escuta. Nunca me escuta! - Bufou. - É por isso que já lidei com a Theodora. Pedi que ficasse longe de você e acho que ela entendeu...
- Você o quê? - Meu sangue ferveu. - Como você ousa se intrometer na minha vida?
- Sou sua mãe e sempre vou me intrometer quando julgar necessário.
- Sou adulto e capaz de lidar com isso. - Arranquei a mão dela do meu braço. - Nunca mais faça isso mãe ou não a perdoarei.
Comecei a subir as escadas e minha mãe veio atrás de mim, disposta a me dobrar à sua vontade. Ela seguiu resmungando o tempo todo, mas ficou calada quando chegamos ao terraço.
A cena era deplorável.
O Senador tampava a boca e o nariz de Theodora com uma das enormes mãos enquanto tentava enfiar a outra pelo decote do vestido dela. A maquiagem da mulher estava borrada pelas lágrimas e ela tentava se desvencilhar dele, mas era nítido que já estava lhe faltando o ar.
Um ódio tomou conta de mim. Theodora parecia tão frágil e indefesa perto daquele cretino.
Não pensei duas vezes e corri até eles, empurrando o velho para longe de Theodora. Ele cambaleou para trás, surpreso pelo ataque, mas não caiu.
- Você está bem? - Ouvi minha mãe perguntando para a jovem mulher que se debulhava em lágrimas. A amparou e a afastou de nós dois.
- Ele tentou...aí meu Deus, que bom que vocês...meu Deus. - Theodora não conseguia completar uma frase sequer.
- Larga de fazer doce, garota! - Ferraz apontou o dedo acusador. - Agora só falta se fazer de vítima. Você subiu aqui sozinha porque estava cheia de segundas intenções.
- É melhor calar a boca, senador, enquanto eu ainda respeito o fato de ser amigo do meu pai. - Esbravejei.
- Eu ia deixar um pouco para você também, garoto. Tá bem claro pra mim que você também quer fuder com essa boneca. Tem que aprender a dividir. - Riu com sarcasmo.
Cerrei o meu punho e avancei sobre ele, lhe dando um soco no meio daquela cara feia. O velhote era forte e continuou em pé, cuspiu um pouco de sangue e me encarou com os olhos em brasa.
- Vai se arrepender disso! É um idiota por defender essa vagabunda!
- Por favor, Ferraz, cale a boca e não piore as coisas. - Minha mãe pediu.
- Você também vai se arrepender, sua puta velha! Lembro de você mais jovem e sei que não passa de uma aproveitadora! - Disparou o homem.
Se eu já estava furioso, ouvi-lo ofender minha mãe foi a gota que faltava para eu explodir. Ferraz viu nos meus olhos que eu iria quebrá-lo em dois e começou a descer as escadas apressadamente. Infelizmente eu estava muito fora de mim para deixá-lo escapar: Em dois tempos eu o alcancei no final da escada e rolamos os dois no chão, parando no salão principal.
Então eu me voltei contra ele, socando-o descontroladamente enquanto ele se defendia com os braços no rosto.
- Nunca mais use essa boca imunda para falar da minha mãe ou de qualquer outra mulher que esteja nesta casa! - Eu continuei socando.
Nesse meio tempo os convidados já haviam se aproximado de nós. Cristian me pegou pela cintura, tirando-me de cima do bastardo. Eu não enxergava mais nada, só queria continuar a bater no desgraçado até que parasse de respirar.
- Para Rob! - Cristian pediu e logo Victor veio ajudá-lo a me conter. - Não vale a pena. Pare!
Theodora se aproximou de mim assustada e pediu baixinho para que eu parasse também.
- Obrigada por me socorrer, mas agora já chega.
Logo meu pai deu o ar da graça e as pessoas deram passagem para ele.
- O que está acontecendo aqui?
- Ele! - Ofélia apontou para Ferraz que permanecia caído no chão, envolto a uma poça de sangue. - Esse homem que você chama de amigo tentou abusar dessa moça e ainda ofendeu a mim, sua esposa!
- Isso é verdade? - Octávio parecia perdido e procurou resposta no rosto de cada um dos envolvidos.
Nisso, o tal namorado de Theodora apareceu como por um passe de mágica. Se aproximou da jovem e começou a demonstrar preocupação com ela.
Ah, o filho da puta deixava a namorada sozinha e agora vinha fingir que estava se importando. Me aproximei dele e o empurrei.
- Você é culpado também! - Acusei.
- Calma aí...
- Onde estava o senhor quando sua namorada estava em perigo? Aliás, onde esteve a festa toda?
- Por favor, ele não tem culpa. - Theodora se intrometeu.
- Você o defende? Vai defender o Ferraz também? Gosta disso? De ser mal tratada? - Me enfureci.
Sai pisando fundo daquela casa, deixando para trás toda a confusão. Quando cheguei até meu carro percebi que Theodora havia me seguido até ali.
- Ei! - Ela chamou.
- O que você quer?
- Essa confusão toda foi porque me protegeu. Obrigada! - Segurou minha mão. - Desculpa se não sei como reagir, mas... - Começou a chorar novamente.
Vê-la chorar me destruía por dentro. A puxei num abraço e deixei que ela ensopasse minha camisa com suas lágrimas.
- Você não está bem. Eu não estou bem. - Conclui. - Vamos sair daqui, ok? Esse lugar está sufocante e logo mais virão nos procurar.
Então a conduzi para dentro do meu carro e logo estávamos na estrada, rumando para meu Flat.
Enquanto dirigia o veículo pelas ruas movimentadas de São Paulo, tentava observar com o canto do olho o rosto da minha carona. Theodora permaneceu em silêncio o trajeto todo, como se travasse uma batalha interna dentro de si. Minhas intenções naquele momento eram apenas de mantê-la a salvo.
Quando chegamos ao meu prédio e entramos no elevador, Theodora segurou minha mão em busca de proteção. Ter aqueles dedos magros entre os meus era acalentador e eu não queria soltá-la nunca mais.
Procurei as chaves do meu Flat no bolso da calça e abri a enorme porta de madeira.
- Que lindo! - Ela exclamou com admiração genuína e eu vi o olhar dela sobre o grande lustre da sala.
- Entre e fique a vontade, só não repare que casa de homem solteiro sempre tem algo fora do lugar.
- Não seja bobo, sua casa é impecável. Ah, se você visse meu quarto...
- Bom, vou para a cozinha passar um café bem forte para nós. Estamos precisando.
- Posso usar seu banheiro?
Eu afirmei que sim e ela sumiu por alguns minutos. Quando ela voltou com o rosto lavado de toda a maquiagem borrada, eu entreguei uma xícara para ela.
- Obrigada Robert por me defender daquele homem. E obrigada por me levar de lá. Sei que sua mãe vai ficar furiosa.
- Sim, ela vai. - Sorvi o café sem açúcar e senti , com prazer, o sabor amargo descer por minha garganta. - Você quer prestar queixa contra o senador? Tem uma delegacia aqui perto.
- É o certo a se fazer, né? - Ela olhava para o conteúdo da xícara. - Sinceramente eu só quero esquecer o que aconteceu, entende?
- Não é certo que ele saia impune.
- Ele te ameaçou. E é um senador, essa história iria parar no jornal e seria ainda pior. Acho que a surra que você deu nele foi uma boa lição.
- Não concordo, acho que deveria prestar queixa, mas respeito sua decisão.
- Obrigada. - Ela colocou a xícara de lado. - Deixe-me ver sua mão. - E antes que eu entendesse, começou a examinar os pequenos ferimentos vermelhos. - Você se machucou socando aquele homem.
- Fazia tempo que eu não entrava numa briga.
- Você não parece ser um tipo de homem violento...
- Ah Theodora, você me conhece muito pouco. Não sou um homem bom.
- Não? Pois foi um salvador para mim hoje. - Ela ainda segurava minha mão machucada. - Nem todo mundo me defenderia como você fez...
- Entenda uma coisa. Tudo isso é porque me sinto enfeitiçado por você. Então quando aquele homem tentou te fazer mal foi como se quisesse violar algo que era meu. - Eu falei e a jovem prendeu a respiração.
Nesse momento eu dei mais um passo na direção dela e ficamos tão próximos que era possível ouvir-lhe a respiração acelerada. O gosto do beijo que trocamos na noite anterior ainda estava nos meus lábios e teimava em voltar-me à mente a cada cinco minutos. Eu fiz um esforço descomunal para manter minhas mãos em um lugar seguro para nós dois.
- Eu também me sinto enfeitiçada,Rob. - A voz dela era baixa, como se me contasse um segredo.
Nos olhamos longamente. Então me perdi nos olhos dela e entendi que não havia como fugir.
- Ah Tessy, o que eu faço com você?
E a beijei.