Capítulo 84
890palavras
2023-01-28 18:30
No dia seguinte ao enterro da Emília e dona Francisca se juntou com Mainha para azuretar no meu ouvido sobre os preparativos do casamento. Eu não sei se era o momento para pensar sobre qualquer coisa que envolvesse uma festa, diante de um luto a qual Allan havia se enfiado. Eu respeitava a dor dele, era compreensível e respeitaria também qualquer decisão que ele tomasse.
— Avalie só se o Allan há de se importar com isso – dona Francisca falava com tanta certeza, que às vezes até me assustava – ele esperou quinze anos por esse casamento.
— Iapôis – Mainha seguia a mesma onda – vamos logo falar com a administração de Noronha para reservar a praia do leão só para esse dia.

— Que diacho, Mainha – eu não estava gostando nada daquilo – deixe eu falar com o Allan primeiro.
— Então fale – dona Francisca segurava um caderno onde anotava tudo que vinha à mente sobre o casamento – ainda assim eu e Lúcia já vamos providenciar tudo, visse.
Não tinha jeito, eu poderia passar o dia inteiro ali, gesticulando com elas duas, nada as faria parar ou mudar de ideia. Resolvi então sair e deixar as duas ali, fazendo planos sobre meu casamento com o Allan. Passei pela sala e o painho estava lá assistindo uma partida de futebol. Falava sozinho no meio da sala, bravo porque os jogadores não chutavam a bola como ele gostaria. Pelo menos ele estava se distraindo ou se estressando, quer dizer, pelo menos era o que me parecia. Atravessei a varanda em frente a minha casa e encontrei o Allan sentado no paralelepípedo, rodeado de outros rapazes, jogando conversa fora. Aquela cena até me lembrou a nossa infância, quando juntava todo mundo da rua para brincar.
— Allan, eu posso falar com você? – de repente todos os olhares se voltaram até mim. Mateus, Fabio, Bentinho e até Betânia estavam lá. Eu encarnei imediatamente.
Então o Allan se levantou e caminhou uns cinco passos até mim.
— O Allan contou para gente que vocês vão se casar – Mateus falou e aquela era a primeira vez que eu falava com ele, o que era bem estranho, já que ele sempre foi amigo do Allan – eu posso ser o padrinho de casamento de vocês?

— Deixe de leseira, Mateus – respondeu Allan – Tenho certeza de que a Charlote não vai se importar.
Então ele olhou para mim e eu sorri para ele.
— Claro que não me importo – respondi.
— A pois – se meteu Fábio – eu também quero participar disso aí também. Quando vai ser?

— Oxente! – era engraçado como o Allan se comportava na presença dos rapazes – desde quando alguém precisa te convidar para alguma coisa?
— Vamos roçar a pitoca – Fabio ficou tão animado que eu não conseguia não rir de tudo aquilo.
— Ah, claro que vamos – Allan fazia cara de deboche – você pode até fazer par com a Betânia.
— Estás doido, cabra? – Betânia não parecia gostar da ideia – não estou gostando nadinha dessa conversa, visse. Melhor parar por aí.
— Acho que vocês formam um belo casal – eu disse, justamente porque amava ver Betânia soltando fumaça pelas ventas.
— É bom mesmo mudarmos de assunto, visse – Fábio disse, tentando disfarçar que estava vermelho feito um pimentão.
O Allan ria, e eu gostei tanto de ver ele rindo, ainda mais depois de tudo o que havia acontecido no dia anterior. Então ele segurou em uma das minhas mãos, entrelaçando nossos dedos e me levou para o corredor ao lado da casa. O mesmo corredor onde nos beijamos na partida e na sua volta a Noronha. Parou, me olhando com o mesmo amor da primeira vez e encostou sua boca na minha. Minha barriga ainda congelava todas as vezes que ele me beijava. O amor continuava o mesmo de quinze anos atrás.
— O que você tanto quer me contar? – sussurrou, com o rosto ainda colado no meu.
— Sobre o casamento – abrir os olhos e afastei meu corpo do dele – Dona Francisca se juntou com Mainha e não param de azuretar no pé do meu ouvido sobre esse assunto.
— A pois – ele ria – era de se esperar.
— Preciso saber de você – parei, respirei fundo e continuei – você está bem o suficiente para isso?
— Oxente, Charlote – ele pareceu confuso – eu esperei minha vida inteira por isso. Se você quiser, nos casamos amanhã mesmo.
Suspirei aliviada.
— Achei que não ia querer fazer isso agora – abaixei o olhar – sabe, por causa da morte da Emília.
— Adiar nosso casamento não vai trazer ela de volta – foi sincero, mas ficou triste ao mesmo tempo – sendo assim, pode autorizar dona Lúcia e dona Francisca a preparar tudo.
Abrir um sorriso bem escancarado e abracei ele tão forte, que acho que o coitado perdeu até o fôlego, visse. Mas quando ele se afastou já não havia qualquer vestígio de empolgação na sua expressão. Ele se tornou sério e aquela sombra de preocupação voltou a pairar sobre ele.
— Eu preciso ir visitar o Bernardo – confessou e meu coração congelou – preciso contar a ele que a Emília se foi.