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Charlote e Allan
A vida passou tão ligeiro para Jacob, que até me dava medo de viver. Era como um sopro do vento, ninguém sabia de onde via, mas levava o que encontrava pela frente e em uma ventania dessas qualquer um poderia ir. Enquanto eu olhava aquele túmulo vazio me lembrei de tudo o que vivi até aqui. Da minha infância tão bem aproveitada ao lado dos meus amigos. De painho e mainha que abriram mão de projetos para uma vida melhor. Do tempo de escola aqui em Noronha. Das coisas que deixei de fazer, por medo e covardia. Me lembrei de Charlote e do amor que deixei de viver ao lado dela. Eu sempre acreditei que estava fazendo a coisa certa, mas agora não tinha mais certeza. Olhá-la novamente fez meus planos desabar, e agora eu teria que tomar a decisão de seguir ou não uma vida que deixei para trás quando partir de Noronha.
Foi quando a vi se aproximar a frente daquele povo todo. Seus olhos estavam vermelhos. Ela segurava uma rosa na mão. Olhou para mim com tanto amor que me fez questionar se eu merecia seus sentimentos. Fui um covarde, desistindo de tudo e eu não sabia se ela me perdoaria por partir sem dizer adeus.
Fernandinho permanecia sempre ao lado dela. Aquele cabra safado não veio me cumprimentar. Foi uma festa só quando Fábio e Mateus me viram ainda no caminho do cemitério. Também vi Emília de longe, que aparentemente entrou em euforia quando me viu, mas não tive tempo de cumprimentá-la. Tinha muita gente das antigas no velório de Jacob. Colegas de escola, ex-professores. Uma vida inteira deixada para trás e mesmo que as pessoas tenham mudado, crescido e se transformado conforme o tempo, para mim parecia tudo igual. Noronha continuava sendo o meu paraíso.
Assim que Jacob foi enterrado, Bentinho que estava ao meu lado me cutucou para ir lá falar com ela.
— Deixe de ser frouxo, cabra – ele dizia – não perca essa oportunidade.
Então me aproximei dela e ela não recuou. Fernandinho continuava lá, feito um cão de guarda.
— Allan, meu amigo – o infeliz da costa oca se aproximou me abraçando cheio da falsidade. Até parecia Judas, prestes a me dar um beijo – sentimos sua falta.
“Cabra mentiroso”
— Também senti falta de vocês – olhei para Charlote que de imediato desviou o olhar do meu como se o que eu falei tivesse sido uma enorme ofensa – Pode me deixar a sós com Charlote?
Perguntei isso a ele e ele esperou a aprovação de Charlote para partir. Então ficamos ainda no meio daquele povo todo, que iam se dispensando devagar, em frente ao túmulo de Jacob. Mas era como se estivéssemos só eu e ela.
— Então você sentiu saudades de todos? – Falou, como se carregasse uma raiva enorme no peito, mas que no fundo era só amor – sentiu saudades de mim também, Allan?
— Não teve um dia sequer que eu não tenha pensado em você – minha boca falou do que estava cheio o meu coração – Eu sinto muito por Jacob.
Ela enxugou as lágrimas, mas eu não sabia se ela chorava por Jacob ou por tudo que fiz ela passar. Estava tão linda.
— Diacho! Por que você voltou? – Me perguntou.
— Eu precisava me despedir do meu amigo – falei – e ver a minha melhor amiga novamente.
— Não carece de fazer isso por mim – foi rude – Você me obrigou a seguir a minha vida sem você e assim eu o fiz. Por muito tempo eu esqueci quem foi você e não quero me lembrar agora.
— Lauren, eu não podia fazer você me esperar para sempre. Eu não tinha esse direito.
— Oxê! Cabia a mim escolher – elevou a voz – você não me deu escolhas, nem oportunidades de mudar isso. Por que não volta de onde veio?
Charlote virou as costas para mim e saiu caminhando. Eu fui atrás dela. Um nó sufocou minha garganta. Eu quase chorei novamente naquele dia.
— Se você conseguir dizer que não me ama, olhando em meus olhos, eu prometo que faço isso hoje mesmo, e que você nunca mais me verá novamente.
Então ela parou, se virou olhando bem para mim, mas nenhuma sílaba saiu dos seus lábios, em relação a isso.
— Você não deveria falar essas coisas para mim enquanto tem uma namorada te esperando lá em São Paulo.
— Ela, não é minha namorada – sussurrei sentindo que as palavras mal saíram – eu sinto muito, Charlote. Eu fui um cabra frouxo, visse.
— Ainda bem que você sabe – deu um leve sorriso para mim – mas isso não muda as coisas. Eu cumpri minha promessa de te esperar, mas você não fez o mesmo. Precisei seguir sem você.
— Eu sei – sussurrei, envergonhado – Mas eu amo você e não consigo mudar isso.
Foi tudo o que consegui dizer, porque outro nó sufocou minha garganta. Mas ela ficou em silêncio e isso quase me destruiu.
—Você e o Fernandinho, sabe – parei e reformulei a pergunta – vocês estão de chamego, é?
— Oxente! – Pareceu brava, depois que seu semblante mudou – Talvez, não sei. Pode ser.
— Como assim pode ser? – Ela estava me provocando – aquele cabra anda dando em cima de você é?
— Está com ciúmes, Allan?
— Pode ser.
Silenciamos, constrangidos um com o outro.
— Senti saudades da minha amiga – falei, e o rosto dela encarnou. Eu precisava ir com calma – ainda somos amigos, não é?
— Eu também senti sua falta – sussurrou – sobre sermos amigos, eu não sei. Preciso me acostumar com a ideia de que você voltou, e saber se você voltou para ficar.
Um último olhar e então ela virou as costas para mim novamente e partiu. E eu fiquei com cara de abestalhado, no meio do cemitério quase vazio, com a noite chegando.