1
Seu Natalino contra as investidas de Allan
É como o tempo se passou. Hoje fico pensando em quanta leseira eu fazia lá por Noronha. Por algum motivo, anos depois de ter saído de lá, me veio a lembrança e a necessidade de querer tirar essa saudade de dentro de mim.
Meses depois de partir de Noronha conheci a Roberta. Ela era a morena mais linda que eu já havia visto em toda a minha vida, visse. Painho, assim que me viu de assanhamento para cima da filha do patrão dele foi logo me dando uma chapuletada no pé do ouvido.
— Avalie só, seu cabra – ele berrava – essa menina não é para o seu bico, e depois você é moço demais para pensar em estar de chamego com quem quer que seja, entendeu?
— Entendi – eu fiquei com a gota serena com o seu Natalino – mas não concordo, painho.
— Oxê! – Ele berrou mais alto – Está me contrariando Allan.
— De jeito maneira painho – me defendi – só estou dizendo que um dia eu vou ter que namorar, não é mesmo?
— Não. Não é mesmo! – Ele parecia um pantel mostrando as garras para mim – Você vai estudar e esse vai ser seu único pensamento daqui em diante. Se um dia você for chamegar com alguma muié não será com a filha do meu patrão, entendeu Allan?
Eu fiquei calado até a Dona Francisca me obrigar a concordar com seu Natalino.
Fui para o quarto avexado antes que eu em um impulso me obrigasse a alongar aquela conversa ainda mais. Onde já se viu painho pensar que eu jamais olharia para um pitel que nem a Roberta. Ela enchia meus olhos, mas não meu coração. Que diacho! Imediatamente a Charlote e a saudade dela me fizeram cair na realidade que mesmo eu longe de Noronha, o arquipélago nunca sairia de mim. Pulei da cama e corri para o computador na sala que painho usava para trabalhar. Se seu Natalino me pegasse mexendo naquele troço o carão ia ser grande, visse. Eu me arrepiava só de pensar. Fechei a porta com cuidado e tentei fazer o menor barulho possível. Quando abri minha página do Facebook tinha mais de vinte mensagens não lidas só de Charlote. Eita! Que a Charlote anda agoniada, visse. Também não posso culpá-la, já que o uso do computador aqui em casa é de rosca. Seu Natalino encarnou que a tal da tecnologia atrapalhava meus estudos, me deixando mexer apenas uma vez por semana. Enquanto lia uma a uma, suas mensagens meus olhos iam se enchendo de lágrimas assim como o meu coração de tristeza. Tanta coisa estava acontecendo na vida da menina que havia mexido comigo e eu me culpava por não estar lá para ajudá-la. Emília estava se mostrando uma infeliz da costa oca. Tive vontade de voar até o arquipélago só para defender Charlote daquela metida a besta, visse. Mas eu não fiz nada. Nada mesmo. Nem um oi eu mandei para ela. Assim que li sua última mensagem, meu coração mesmo acochado não me deu a coragem que eu precisava para dizer a ela o quanto eu a amava e o quanto eu sentia muito por tudo o que havia acontecido. Quando conheci a Roberta, o colégio novo, comecei a fazer novos amigos e percebi que a minha vida agora era outra e naquele espaço já não cabia mais a Charlote. Que era a hora de seguir em frente e esquecer o passado, porque pelo jeito que as coisas andavam para, painho e também para mim, percebi que demoraria muito, ou talvez jamais acontecesse, de voltarmos um dia a morar novamente em Fernando de Noronha. A pois, eu meti na cabeça que eu tinha que esquecer a Charlote e ela a mim. Que não seria justo deixá-la me esperando, enquanto eu seguia em frente. Oxê, foi difícil para diacho ler aquelas mensagens cheias de amor e não as responder. Meu coração se acochava. Um dia ela entenderia meus motivos e quem sabe me perdoaria por tanto desprezo.
E os anos se passaram. Mesmo sendo contra a vontade de seu Natalino, eu e a Roberta nos aproximávamos cada vez mais por causa do emprego de painho. Quando terminei o colegial, o patrão dele, seu Agenor, me ofereceu um estágio na sua empresa e eu passei a trabalhar ao lado de seu Natalino. Foi um orgulho danado para ele me ver formado e com um bom emprego, mas o que deixou o hômi feito um pantel foi quando eu anunciei que estava namorando a pitelzinha da Roberta, visse.
— Seu cabra da peste – ele apontou o dedo pra mim – de jeito maneira eu permito esse namoro, visse! Pode tirar seu cavalinho da chuva.
— Oxê, não estou pedindo sua permissão painho – falei mesmo sabendo que contrariá-lo era errado – já estamos namorando e eu só estou comunicando ao senhor.
— Que diacho! – Eu vi a decepção nos olhos dele ao ouvir aquilo – o pai dela não vai aprovar isso, visse menino.
— Painho – me aproximei dele, arrependido do que havia falado – me desculpe.
— Allan – ele falava com tristeza. Tinha medo do que podia acontecer em consequência daquele namorico – Você está colocando nossos empregos em jogo por causa desse chamego, não percebe cabra?
— Seu Agenor é gente boa painho, não se preocupe.
Seu Natalino olhava para mainha, avexado. Tentava encontrar as palavras para me convencer de que eu estava fazendo uma burrada.
— Avalie só muié o juízo do seu filho – ele argumentava com mainha – coloque você um pouco de juízo na cabeça desse cabra.
— Hômi – mainha colocava as mãos na cintura demonstrando a ele que não podia fazer nada – Allan já é um cabra crescido e precisa aprender as consequências dos seus atos.
— Oxê! Que ficou todo mundo maluco nessa casa, foi?
— Apois – eu disse – estou indo na casa de Roberta agora mesmo pedir ao seu Agenor permissão para namorá-la.
— Fudeu a tabaca de chola – berrou seu Natalino – Não me faça uma loucura dessa Allan. Para de ser buliçoso procurando encrenca.
Não tive tempo de ouvir o resto da bronca, corri até a saída da nossa casa e a porta batendo foi tudo que o painho escutou de mim. Ainda consegui ouvir bem de longe as reclamações dele. Coitada de mainha que ficou comendo brocha.
2
O pedido de namoro
Eu já chegava em frente à casa de Roberta quando me recordei que precisava fazer algo, que eu já vinha planejando há algum tempo, antes de entrar lá e oficializar de vez o nosso namoro. Tirei o celular do bolso, destravei a tela e lá estava a mensagem que eu precisava enviar a Charlote o quanto antes.
Um arrocho no coração quase me fez perder a coragem. Deixe de bestagem, Allan. Acabe logo com isso.
Acho que eu demorei mais do que deveria para enviar aquela mensagem. Me peguei lendo e relendo e quando percebi estava feito um abestalhado no meio da rua, chorando. Tratei de enxugar as lágrimas e apertei, enfim, o botão de enviar. Depois de ter partido de Noronha, fazer aquilo com Charlote foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na minha vida.
Recuperei a compostura e segui com o plano. Bati à porta da casa dela e depois de quase perder os dedos de tanto bater e ninguém atender, dei fé que bem debaixo do meu nariz havia um interfone. Eita leseira, Alan. Conversei com o seu Agenor no quintal da casa mesmo. Ele insistiu para que eu entrasse, mas eu estava agoniado, com a cabeça na lua, se é que a lua agora se chamava Fernando de Noronha. Eu não alonguei o assunto, fui logo dizendo com o meu jeito pernambucano de ser, que eu e Roberta estávamos num chamego só. Ele sorriu, achando engraçado e em seguida dizendo que ficava feliz com o nosso relacionamento. Diacho! Eu gostava demais da conta daquela morena, mas não estava com os pneus arriados por ela. Meu coração ainda era de Charlote e para sempre seria. De tanto pensar nela e nas reações que ela teria ao ler aquela mensagem eu fiquei avoado. Roberta logo percebeu.
— Está tudo bem Alan? – Ela interrompeu seu Agenor que fazia planos, empolgado, de um futuro almoço entre nossas famílias.
— Sim – respondi forçando um sorriso – por que não haveria de estar?
Ela me olhou azuretada, mas eu não podia contar a ela os motivos de tanta preocupação. Roberta não sabia nada sobre Charlote. Eu contei a ela sobre como foi viver em Fernando de Noronha. Contei quase tudo; sobre a escola; sobre os amigos que deixei, mas não sobre Charlote e a importância que ela tinha na minha vida.
— Painho vai gostar demais da conta desse encontro – eu menti. Seu Natalino ficaria um pantel quando eu lhe contasse sobre o tal almoço. Mas talvez ele se acalmasse quando soubesse que seu patrão até ficou feliz com aquele namoro – Estou avexado hoje com algumas coisas que preciso resolver lá em casa – fui logo me despedindo. – A gente se vê na empresa logo pela manhã seu Agenor.
— Não quer jantar conosco, Alan? – Ele insistiu e Roberta foi na onda – Fique mais um pouco.
— Não carece – respondi – Até logo.
Me despedi de Roberta e tratei logo de amarrar meu jegue. Sai dali aperreado. Eu deveria estar feliz a boléu, mas não estava. Que diacho, eu quase me arrependi de fazer o que eu fiz com a Charlote. Eu havia prometido a ela que jamais a esqueceria. Que voltaria um dia a Noronha para vê-la. Alimentei esperanças no meu coração e no dela. No final me mostrei um cabra frouxo, incapaz de cumprir suas promessas. Entrei de fininho em casa sem fazer muito barulho. Não queria acordar, painho e alongar ainda mais aquela conversa. Eu até tentei dormir, mas era só fechar os olhos que a imagem de Charlote tão linda invadia meus pensamentos. Quando eu acordei no outro dia, meus olhos estavam inchados de tanto chorar.