Allan Gesser
1
Nunca vi tanta correria num dia só, visse! A minha viagem estava tão boa que eu nem pretendia voltar agora se não fosse por painho. Quem diria que eu, Allan Gesser, um dos boys mais populares daqui de Noronha estivesse presente no primeiro dia de aula no Arquipélago. Nossa, em outros tempos eu não faria isto.

Mas olhando para o outro lado acho que vou gostar. Saber quem são os novatos da área e rever os boys e toda a safra de piriguetes soltas pelo pátio. Tenho certeza que se a Charlote me ouvir dizendo isto vai aperrear os meus ouvidos o tempo todo.
Ah, a Charlote é a minha melhor amiga. Lembro-me disso desde quando comecei a anotar as minhas lembranças, quer dizer, eu não anoto as minhas recordações, só quero fitar que já a conheço há muito, muito, muito tempo mesmo.
Um detalhe bem importante nisso tudo é que ela é GORDA, bem acima do peso normal de todas as outras garotas. Não que isso seja um problemão, aliás, pelo menos em mim não é, não sou eu quem carrego aquele peso todo mesmo!
A maioria do pessoal da escola a chama de ''GG'', eu não gosto muito porque sei que ela se incomoda, se bem que para mim isso nunca foi problema também, afinal, tenho mais duas amigas gordinhas, não tanto quanto ela, mas enfim.
Às vezes, apesar de comportada e muito bem-educada, acho que ela é exageradamente exagerada, sem trocadilhos. Pois sim, ela aperreia demais quando estamos na rua de casa, quer sempre sair para algum lugar e não gosta quando eu estou junto dos meus amigos. Ela diz que não é isso, mas eu sei que é sim. Aí eu tento mudar de assunto.
— Vamos logo Allan, vamos acabar nos atrasando. Hoje é segunda, dia de cardápio diferenciado no Du Mar. Tu sabes como fica aquilo lá, não é? – Meu pai não era meu pai, na verdade era só um padrasto. Casou-se com mainha desde que eu tinha dois anos. Eu gostava dele.

—- Então! – Concordei.
Nas segundas ele me acompanha até a rua próxima a escola, o restaurante onde ele trabalhava ficava para o outro lado. De terça em diante os nossos horários não combinavam, o seu turno era mais tarde.
2
No meio de toda a correria nem me arrumei direito, eu era um pouco desorganizado, a Emília já tinha me falado aquilo várias vezes no ano passado. Ela era a filha do diretor da escola e a cobiça da maioria dos boys. Eles diziam quase toda hora que ela era gostosa demais.

Falando nela, olha ela lá! Chegando no colégio quase na mesma hora que eu. Deu vontade de chegar junto, mas os meus amigos me cercaram na entrada e a perdi de vista.
Depois só a reencontrei dentro da sala, quando ela estava tirando onda da cara de Charlote, para variar. Os parceiros riram e para não perder a piada, sorri também.
— Ei Allan, a Charlote está mais redonda, não acha? – Fábio era o que mais gostava, não perdia uma oportunidade de fazer os outros rirem da forma um pouco mais espaçosa de Charlote. Eu não era tão amigo dele assim fora da escola. Os nossos assuntos e contato se acabavam por lá mesmo.
Não gostei, saí de perto propositalmente para não aumentar a zoada, mas olhando bem… nossa, como a Charlote continuava gorda! Não deve ter perdido nem ao menos uns quilinhos nessas férias.
Eita, ela olhou para mim! Vou passar direto se não ela vai querer assuntar.
Quando desviei o olhar, a mais popular da escola estava de pé, de braços abertos, parecia me esperar. Oxê, a Emília tava me chamando? Fiquei confuso agora, não sabia se olhava para ela ou para Charlote. Decidi por impulso. Sorri para Charlote mas optei por Emília, que me abraçou forte na frente de todos os boys e disse baixinho antes de me soltar:
— Tou com saudade de tu lindo, visse – chega tô abestalhado ainda.
Sentei por ali mesmo, ajeitei os cachos do cabelo e vi o tempo passar... professores entravam e saíam e eu não prestava atenção quase em nada. Quando percebi, todas as aulas haviam terminado.
Acho que Charlote quer falar alguma coisa comigo. Lá está ela, me olhando com cara brava enquanto me aguardava na esquina.