Capítulo 55
2442palavras
2023-02-08 10:10
- A minha vida é complicada, Guilherme. Sempre foi. Eu tenho uma filha, tive um passado horrível... Você não tem ideia do que eu passei. Precisa encontrar alguém da sua idade, uma jovem cheia de vida, como você.
- Você é cheia de vida, Sabrina. E me completa... É muito mais do que eu sempre sonhei. E não me venha com isto de diferença de idade porque sabe que não é desculpa. São poucos anos e você sabe disso.
- Gui, você é meu aluno. Eu não posso perder me emprego. Dependo dele, para sustentar a minha filha.

- Se acontecer de você perder a porra do emprego, eu vou sustentar você e Medy.
Eu ri, não me aguentando com a ingenuidade dele:
- Você mal se sustenta, garoto. Depende da sua avó... E da sua mãe.
- O doutor Monaghan está aqui porque vamos colocar meu pai na justiça e ganhar um bom dinheiro.
- Mas... Você precisa de mais do que já tem?
- Eu vou ter ainda mais. E é meu, por direito, não da minha mãe.

Arqueei a sobrancelha, confusa sobre o que ele pensava de mim:
- Eu... Não preciso do seu dinheiro.
- Mas eu posso lhe dar. Quero dizer que não há desculpas para não ficar comigo, Sabrina.
- Sim, há. Eu amo outra pessoa, Gui... E isso é desculpa suficiente.

- A porra do pai da sua filha, que abandonou vocês duas... Eu sei bem como é isso... Porque o meu pai também me abandonou.
Percebi o quanto ele era magoado pela situação com o pai. E pelo visto a mãe, no pouco tempo que ficava com ele, comandava toda a situação, inclusive os sentimentos do filho.
- Você... O conheceu?
- Não. – Ele virou o rosto para o outro lado e pude perceber que os lábios estavam trêmulos.
- Sabe... Onde ele mora?
- Sim. Vou tirar tudo que ele tem... Exatamente tudo. Deixá-lo sem nada. E se não for dinheiro, será a porra da vida dele.
- Guilherme, não diga isso!
- Quero que ele se arrependa do dia que nasceu. E que entrou na vida da minha mãe.
Fui até ele e o abracei, sabendo o quanto o coração dele estava quebrado e precisando de carinho e ajuda naquele momento. Eu era expert em “pais filhos da puta”.
- Deve haver uma explicação para o que ele fez... – Tentei encontrar uma solução.
- Não, não há. Ele nunca, jamais, me procurou. E eu vivi com esta rejeição ... A vida inteira.
- Eu... Sinto muito. Mas acha que dinheiro vai compensar a falta da presença dele por tantos anos?
- Não... Mas vai dar uma boa dor de cabeça para ele. Quero retirar o sobrenome dele também.
- Então, ele chegou a registrá-lo?
- Sim.
- Como ele se chama?
- O nome dele é...
A porta se abriu e Kelly entrou, ficando imóvel enquanto nos observava.
Sim, eu estava de pé e o filho dela sentado, com o rosto aconchegado entre meus seios, enquanto eu o abraçava, tentando consolá-lo. Não tinha nada de sexual ali, mas ela não entenderia que era só um ato de conforto, o qual ela deveria dar-lhe.
Afastei-me, aturdida, pensando no que dizer, com os olhos dela inquisidores sobre mim.
- Estávamos falando sobre... O pai dele. – Tentei me justificar.
- Sério? E você está dando uma de “mamãe”? – Falou sarcasticamente.
- Mãe, por favor! – Guilherme pediu.
- Afinal, qual o grau de intimidade entre vocês dois? – Ela perguntou seriamente.
- Eu... Sou a professora dele. E... Somos próximos... – Comecei a tentar explicar.
- O quão próximos? – Ela foi direita.
- Eu uso Sabrina para falar da porra da minha vida. – Guilherme disse.
Ela olhou-o, confusa.
- Porque é uma porra de vida, não é mesmo? Você não tem tempo para mim. Mas Sabrina encontra tempo para ouvir minhas lamentações... Sobre meu pai que me ignorou a vida toda e você que nunca está por perto.
- Gui... Eu... Não sabia que você estava assim... Tão carente. – Ela se aproximou dele.
- E ainda tenta criticar Sabrina, quando ela para tudo que está fazendo para me ouvir? – ele continuou – Ela é mais do que uma professora. Ouve minhas lamentações de adolescente abandonado... E me trata melhor do que a minha própria mãe.
Ela o abraçou, completamente desestabilizada. Me afastei e fui para o meu lado do quarto. Ele estava com o rosto sobre o ombro de Kelly, enquanto ela lhe pedia perdão. Vi o sorriso debochado e manipulador dele quando piscou para mim.
Garoto levado! Mas me salvou, pelo menos.
Arrumei a poltrona mais perto da cama de Melody e deitei-me, pesquisando sobre a vida de “el cantante” na internet e a J.R Recording. Não falava muito sobre J.R e se não fosse Colin me falar da possível falência, eu não saberia de nada, pois certamente os veículos de comunicação não estavam a par da situação, ou já teriam exposto a fragilidade da gravadora.
Quando à “el cantante”, foi como se ele tivesse sumido do mundo por quase cinco anos e aparecido há exatamente seis meses atrás, estourado como cantor. O que eu não entendia era aquela brecha de tempo entre o meu Charles do Cálice Efervescente e o Charlie B.
No dia seguinte, Melody recebeu alta hospitalar antes de Guilherme.
Yuna fez questão de ficar com ela um período de tempo, para que eu pudesse voltar a trabalhar, já que tinha ficado uma semana afastada da escola por atestado médico.
O primeiro período era na turma do terceiro ano naquele dia. Guilherme Bailey não compareceu à aula. Imaginei, sabendo do estado de saúde dele, embora achasse que ele já estivesse melhor.
A turma estava dispersa, só falando e se preocupando com a festa de formatura que teriam em breve.
Quando a aula acabou, cheguei a dar graças a Deus. Todos saíram e estava guardando as minhas coisas quando ouvi a voz de Rachel:
- O que você faz aqui?
- Eu trabalho aqui, Rachel.
- Eu avisei que não deveria voltar. Quero que peça demissão, que suma de vez desta escola e deixe Gui em paz.
Fechei a bolsa e a pus no ombro, encarando a garota:
- Eu não vou pedir demissão. Sou uma ótima profissional, dependo deste trabalho para sustentar a minha filha e continuarei bem aqui, ensinando-a a ser alguém melhor na porra desta sua vida, garotinha mimada e sem escrúpulos. E isso tudo porque eu não tenho nada com Guilherme Bailey, entendeu? Minha consciência está tranquila.
- Vou acabar com você. – Ela ameaçou.
- Tente... E nunca mais Guilherme vai olhar na sua cara. – Falei, virando as costas.
Se eu estava segura do que disse? Não, claro que não. Mas também não poderia deixar que ela soubesse que eu estava amedrontada com as ameaças dela, pois isso lhe daria ainda mais confiança.
Quando cheguei em casa e abri o celular, digitando o nome de Charlie B, fiquei sem ar quando li que ele estava de volta em Noriah Norte, cidade onde morava e se preparar para uma nova turnê na Europa.
Nos dias que passaram, quando Melody saiu do hospital, procurei notícias sobre possíveis shows dele e não tinha nada. Agora estava explicado... Não tinha show porque ele não estava no país. E como ele simplesmente partiu, fazendo dois únicos shows em Noriah Sul?
Como assim? “El cantante” simplesmente me deixou, sem sequer dar explicações? Você nem me procurou! Onde está a minha música, a solicitação de um reencontro? Você é famoso agora. O mundo todo está voltado para Charlie B. Você pode pedir por mim num estalar de dedos...
Eu poderia ter deixado um bilhete... Mas era Melody. Quando acontecia qualquer coisa com ela eu simplesmente ficava sem noção, cega, surda e muda, com o único objetivo de vê-la bem.
Poderíamos ter trocado telefones, mas só pensamos em apagar o fogo dos nossos corpos, sem termos tempo para mais nada.
Fomos completamente tolos, parecendo adolescentes, com hormônios sexuais aflorando por todo corpo.
Fim de jogo... “End game” para Sabrina e Charles.
Europa já foi longe demais para mim, há seis anos atrás. Hoje não era mais longe... Era fora de alcance, um lugar impossível.
Naquele final de semana eu e Melody fomos ver Yuna. Assim que ela abriu a porta, vi os olhos inchados e vermelhos da minha amiga.
Retirei meus calçados, pondo Melody já estava descalça no chão, devido ao gesso. Ela andou sem dificuldades até a cozinha, para pegar algo para comer. Minha filha se sentia em casa ali, tanto quanto na sua própria residência. Ambos os lugares eram seu lar, afinal, nasceu com Yuna e Do-Yoon e morou com eles por anos.
- O que houve? – Perguntei, preocupada, sem sentar.
- Eu... Fui demitida.
- Demitida? Como assim?
- Corte de pessoal. Esta foi a desculpa que me deram.
- Sente-se, eu vou fazer um chá para você. – Falei.
- Ei... Eu já tomei vários chás. – Ela disse.
- Mas não o meu. Sua mãe me ensinou um calmante natural que é simplesmente incrível.
- Sabrina, não é preciso. Eu já tomei...
Peguei as mãos dela e olhei em seus olhos:
- Deixe-me fazer algo por você... Por favor. Você e Do-Yoon fizeram tanto por mim. Retribuir é o mínimo que posso fazer. Você não é uma rocha... E mesmo que fosse, por mais que não se quebre por inteiro, tamanha sua força, pode ter pequenas rachaduras. E elas podem e devem ser coladas, acredite. E tudo voltará ao normal, inclusive a sua força.
- Eu dei minha vida pelo trabalho.
- E o trabalho não deu a vida por você – sorri – Mas amigos dão. Você pode demonstrar fraqueza e nem por isso deixará de ser a rocha... E o esteio da nossa família.
Ela me abraçou com força e pela primeira vez a vi chorando de verdade, com lágrimas, expondo fraqueza, dor e sentimentos.
Yuna tinha que entender que não era uma pessoa imune a tudo. E nem precisava ser.
- Quem perde são eles, minha amiga. Porque você é a melhor pessoa e profissional que conheço. O carinho com que trata seus pacientes é simplesmente sem igual.
Ela limpou as lágrimas, já tentando parecer que nada daquilo a abalava:
- Tem o lado bom. Talvez seja hora de trabalhar sozinha... Montar meu próprio consultório.
- Jura? – vibrei – Yuna, já estava na hora.
- Acha que eu consigo?
- Não acho. Eu tenho certeza.
- É complicado... Ter que arranjar um lugar, comprar móveis... É tudo tão caro...
- Do-Yoon pouco tem parado em casa. Você está sozinha... Eu estou sozinha. Por que não vai morar comigo e Medy? E aqui poderia montar seu consultório. É um bairro residencial e familiar. Acredito que teria muitos pacientes. Há várias crianças nas redondezas.
- Eu... Não tinha pensado nisso.
- Lembre-se que para tudo precisamos sair do bairro. Imagine ter uma Pediatra aqui, pertinho. Todos iriam amar. E não haveria tanta concorrência para você quanto na zona central.
- Mas eu não quero tirar a privacidade de você e Medy.
Eu gargalhei e dei um tapinha no ombro dela:
- Eu não tirei a sua, completamente? Lembra quando pedi controle das suas cortinas?
Ela riu, se rendendo:
- Horas lavando louça... Gastando todo detergente e estendendo roupas de forma que não secariam nunca.
- E quando bebi Champagne na casa que fui limpar, da mãe da sua amiga? – ri novamente – Você queria me matar.
- Nem lembre disso. Tenho vontade de matá-la novamente só de lembrar.
- Então... – peguei a mão dela – Eu me apossei do seu quarto, da sua casa, do seu irmão, da sua mãe... E você nunca me odiou por isso... Nem desistiu de mim. Com você e Do-Yoon eu conheci o significado de amizade, cumplicidade, respeito, carinho, seriedade, responsabilidade... Nossa, eu não iria embora hoje se fosse dizer cada coisa que aprendi com vocês. Ficaria muito feliz em tê-la na minha casa... Não só por agradecimento, mas também porque eu gosto muito de você, Yuna.
Ela me abraçou, por iniciativa própria.
- Isso quer dizer sim? – Perguntei.
- Nós já vamos embora? – Melody perguntou ao nos ver abraçadas – Mas... acabamos de chegar – levantou a sobrancelha, confusa.
- Não... Não vamos embora. – Comecei a rir enquanto soltava Yuna.
- Não?
- Não... Eu estou abraçando tia Yuna porque fiquei feliz com uma decisão que talvez ela vá tomar.
- E qual é? – Melody já perguntou curiosa.
- Convidei ela para morar conosco.
Melody olhou seriamente para nós duas e depois um largo sorriso de dentes branquinhos e pequenininhos apareceu no seu rosto:
- Vamos morar todos juntos de novo? Do-Yoon também?
- Eu posso deixar uma cama no quarto de Yuna para caso Do-Yoon queira ficar conosco. Mas ele já está prestes a partir também. Então seremos nós três...
- Mas onde tia Yuna vai dormir? – Melody questionou.
- Medy vai dormir no quarto da mamãe e tia Yuna vai ter um quarto só para ela...
- Que vai ser o da Medy. – Ela falou, referindo-se a si mesma.
- Mas se Medy achar ruim ter que sair do quarto, eu posso ficar aqui, sem problemas. – Yuna disse.
- Eu quero muito dormir com a minha mamãe. E posso dormir com você quando eu quiser, tia Yuna? – Melody começou a gostar ainda mais da situação.
- Podemos pensar a respeito, baixinha. – Yuna riu.
- Mas... E ele? – Ela me olhou, enquanto ligava a televisão para distrair Melody da conversa.
- Ele foi embora... – Suspirei.
- Embora?
- Acho que nós dois não existe mais... Estou cansada. Sabe quanto tempo eu fiquei chorando por ele, pensando nele, deixando de viver a minha vida?
- Eu sei... Sim, sei exatamente.
- Foram muitos anos... Embora a nossa conexão tenha sido a mesma... Eu não sei nada sobre ele. Na verdade, nunca soube. Não posso me apegar a vida inteira a uma lembrança... Uma ilusão. O tempo passa... Estou envelhecendo e perdendo absolutamente tudo por ele.
- Mas ele não é culpado disso.
- Exatamente. Eu sou a culpada. Então a mudança tem que começar por mim. Preciso dar um basta.
- E... Ela? – Yuna olhou para Melody, que estava atenta ao desenho animado na televisão.
- Ela vai conhecê-lo... Mas talvez isso não signifique nós dois sejamos um casal. Entende?
- Entendo... E acho que já era hora de você viver, Sabrina. Já sofreu demais por este homem.